Acordei cedo, com dor no estômago, e a primeira coisa que vi quando abri os olhos foi um vulto fantasmagórico passando pela fresta da porta do banheiro. Fraqueza, enjôo, vontade de vomitar e um extra de “Poltergeist” querendo tomar banho. Ótima segunda-feira para você também, mundo surreal.
Pâmella já tinha me alertado sobre um certo ser de branco que ela vira noites atrás, no mesmo local, mas, como bom agnóstico de merda que sou, acabei fazendo apenas algumas piadinhas inofensivas. Lembrei do dragão do Carl Sagan, que, além de não poder ser visto, cospe fogo invisível, e pensei que, caso, a aparição não fosse só uma aparição – e nem um pai de santo com vontade de cagar –, poderia ao menos trocar o papel higiênico, limpar o chuveiro, passar pano, sei lá. Obviamente, tais conclusões sumiram quando fui dormir e repassei seqüências inteiras de “O exorcista” e “O Iluminado”, filmes feitos exclusivamente para serem lembrados em horas ruins (que vão de madrugadas insones até discussões no meio da tarde com cinéfilos de óculos de aro grosso).
Como a dor no estômago era mais forte que o medo que começara a se instalar pela minha espinha, soltei um “puta que pariu” blasé, me levantei e fui arranjar o que fazer. Inspecionei o banheiro assombrado, fui ao PC checar e-mails e terminei amaldiçoando o clima chuvoso que havia se instalado na cidade. Era como ter ido dormir em Campina Grande e acordar em Manchester, só que sem os atrativos da cidade inglesa – Amigão x Old Trafford? Banda Afrodite x Morrissey? –. Pensei que poderia ser pior, e logo a minha memória tratou de confirmar tudo: dia de reuniões, encontros, metas... Podre. Se o inferno existe, ele está dentro de uma sala com várias pessoas reunidas, com burocracias, papéis, dados, opiniões e prazos para mais um encontro... Tudo feito com um linguajar elaborado, expressões acadêmicas, “Destarte, senhor”, “Discordo, caro mestre”, “4ª feira”, “Att.”, etc.
Sim, odeio reuniões. Mais do que dores de estômago, aparições saídas de um conto do Blackwood e cinéfilos com óculos de aro grosso, que A-D-O-R-A-M-D-E-P-A-I-X-Ã-O tudo o que o Kar-wai fez, incluindo aquele curta em 8mm filmado quando o cineasta tinha dez anos e recordava sonhos molhados com a prima. Quando não falam dele, discutem se o Almodovar é colorido demais, ou se o Pasolini... ah, sempre esquecem dele.
Hmm, mudei de idéia. O inferno é uma salinha minúscula, com vários cinéfilos discutindo assuntos que não vão pra lugar nenhum, limpando os óculos indies e brigando para saber quem tem aquele DVD com cenas excluídas do Jerzy Walderokwitcz, rei do whitexploitation underground polonês.
E meu estomago ainda dói.