segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Tem hora que é só você contra a madrugada; contra toda ela.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Eu estava ali, deitado no sofá do terraço, esperando. Como não podia fazer mais nada além disso, acabei tentando arranjar alguma diversão que não me obrigasse a sair da posição budista vulgarmente conhecida como “Buda espera o carro que não chega nunca”. Primeiro ensaiei algumas reclamações básicas sobre o clima, o dia, mas como isso não funcionou, tentei apelar para divagações existenciais ridículas e precárias. Cheguei então a uma conclusão interessante, ainda que besta: “esperar é ser obrigado a não fazer nada”.

É assim: se você está esperando alguém, suas ações começam a ser pensadas e pesadas a partir dessa situação. Por mais que o outro lado esteja uma hora e meia atrasado, qualquer decisão que não seja continuar esperando pode atrapalhar tudo. Por exemplo, se você decide ir dormir enquanto a pessoa não chega, vai para a cama pensando “Porra, mas e se ele chegar, me chamar e eu não ouvir? Ou pior, se disserem que eu não estou em casa?”; se você decide ir ali no padeiro da esquina comprar umas besteiras, logo começa a criar um roteiro de desencontro mirabolante, que envolve telefonemas, decepções e um pão de ontem; se vai tomar água, engole tudo rápido, já que é feio deixar alguém te chamando na porta da sua casa, principalmente no sol quente. O compromisso da espera está lá e você tem de honrá-lo.

Mas ai desisti e vim escrever. Acabei lembrando do Fassbinder e do seu filme simpático “Beware of the holy whore”.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Muita coisa pra nada

Acordei cedo, com dor no estômago, e a primeira coisa que vi quando abri os olhos foi um vulto fantasmagórico passando pela fresta da porta do banheiro. Fraqueza, enjôo, vontade de vomitar e um extra de “Poltergeist” querendo tomar banho. Ótima segunda-feira para você também, mundo surreal.

Pâmella já tinha me alertado sobre um certo ser de branco que ela vira noites atrás, no mesmo local, mas, como bom agnóstico de merda que sou, acabei fazendo apenas algumas piadinhas inofensivas. Lembrei do dragão do Carl Sagan, que, além de não poder ser visto, cospe fogo invisível, e pensei que, caso, a aparição não fosse só uma aparição – e nem um pai de santo com vontade de cagar –, poderia ao menos trocar o papel higiênico, limpar o chuveiro, passar pano, sei lá. Obviamente, tais conclusões sumiram quando fui dormir e repassei seqüências inteiras de “O exorcista” e “O Iluminado”, filmes feitos exclusivamente para serem lembrados em horas ruins (que vão de madrugadas insones até discussões no meio da tarde com cinéfilos de óculos de aro grosso).

Como a dor no estômago era mais forte que o medo que começara a se instalar pela minha espinha, soltei um “puta que pariu” blasé, me levantei e fui arranjar o que fazer. Inspecionei o banheiro assombrado, fui ao PC checar e-mails e terminei amaldiçoando o clima chuvoso que havia se instalado na cidade. Era como ter ido dormir em Campina Grande e acordar em Manchester, só que sem os atrativos da cidade inglesa – Amigão x Old Trafford? Banda Afrodite x Morrissey? –. Pensei que poderia ser pior, e logo a minha memória tratou de confirmar tudo: dia de reuniões, encontros, metas... Podre. Se o inferno existe, ele está dentro de uma sala com várias pessoas reunidas, com burocracias, papéis, dados, opiniões e prazos para mais um encontro... Tudo feito com um linguajar elaborado, expressões acadêmicas, “Destarte, senhor”, “Discordo, caro mestre”, “4ª feira”, “Att.”, etc.

Sim, odeio reuniões. Mais do que dores de estômago, aparições saídas de um conto do Blackwood e cinéfilos com óculos de aro grosso, que A-D-O-R-A-M-D-E-P-A-I-X-Ã-O tudo o que o Kar-wai fez, incluindo aquele curta em 8mm filmado quando o cineasta tinha dez anos e recordava sonhos molhados com a prima. Quando não falam dele, discutem se o Almodovar é colorido demais, ou se o Pasolini... ah, sempre esquecem dele.

Hmm, mudei de idéia. O inferno é uma salinha minúscula, com vários cinéfilos discutindo assuntos que não vão pra lugar nenhum, limpando os óculos indies e brigando para saber quem tem aquele DVD com cenas excluídas do Jerzy Walderokwitcz, rei do whitexploitation underground polonês.

E meu estomago ainda dói.


quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

No pensamento, "A zona"

Não sei por qual motivo, mas toda vez que estou passando por um período de total e completa pressão artistica - e ai falo de prazos e mil coisas pra resolver, nada de inspiração, portanto -, me aparece na cabeça o rosto do Tarkovski. É muito estranho.

Por exemplo: cá estou eu, sendo obrigado a refletir sobre os vários problemas do maldito multimidia (que não termina nunca. Nunca.), num fluxo de pensamento cujas conclusões variam entre "fodeu", "me fodi", "tou fodido" e "agora fodeu", quando, no meio do mar de merda pastosa que me cobre até o pescoço, surge ela, a imagem. Em preto e branco. Nela, vejo o rosto do russo, com aquele bigode estranho e um cabelo mais bizarro ainda, olhando para o horizonte. Não é a foto clássica que o Pinkhassov tirou. É outra, que nunca vi ou achei na net. E o pior é que fica nisso. Não me vem nenhuma alegria, nenhum rompante de amor ao homem; muito menos penso nos filmes, nos planos de "Stalker", na alopração que é "O sacrifício"; só penso "hmm, Tarkovski". E ai pronto.

Volto para o mar de merda.



Tark diz: "Fodeu, camarada!"



sábado, 8 de novembro de 2008

... Mas que elas existem, existem!

Não acredito em maldição (pelo menos não durante dias claros e simpáticos. De noite é outra história), mas, toda vez que acordo cedo e o Manchester perde de forma bizarra, concluo mentalmente que meu dia vai ser uma merda. E o final de semana também. E o resto do mês. E qualquer decisão que vá ser tomada durante o período negro que sucede a desgraça vista em campo.

É estranho, mas o fato é que, além de ser uma oportunidade clássica de poder morrer do coração torcendo, os noventa minutos de jogo acabam configurando-se como uma espécie de ritual supersticioso, quase místico, onde, dependendo dos acontecimentos, um lapso do futuro pode aparecer bem ali, onde o Ferdinand escorrega, ou mais a frente, no chute torto do Rooney. É o meu tarô, meu búzios. É o preto velho rindo enquanto fuma um cachimbo mais antigo que ele.

Suspensão da descrença. Criação da desgraça. No meio do turbilhão de pensamentos sobre causa e efeito que mais parecem teorias criadas nos tempos do Malleus Maleficarum, fico me perguntando como isso pôde acontecer. O Sábado ia ser tão legal, a manhã tão alegre, várias coisas pra resolver... Agora me vejo incapacitado para exercer qualquer ação, preso a um acontecimento fantástico que não tem esclarecimento (Perder pro Arsenal com o time completo? Só pode ser macumba!). E, o pior, me sentindo um dos prisioneiros de Logjumeau, do conto do Leon Bloy: Por mais que tente escapar, não dá. Não consigo. Sempre volto para o mesmo ponto de partida. 2 x 1.

Com tanto agouro em tão pouco tempo – “pouco tempo” nada, foram seis minutos de acréscimos! – só me resta o básico, voltar a ser cético. Time jogando ruim, resultado ruim. A vida continua, fim. Corpo fechado, despacho, o jeito é andar (ou treinar, no caso dos malditos), trabalhar. Nada de bruxas. Nada.


quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Lá e de volta outra vez

Quero falar sobre Novembro, mas não sei o motivo. Gosto da sonoridade, ela me lembra o passado – passado mesmo, “adj (part de passar) 1 Que passou; decorrido, findo. 2 Imediatamente anterior. 3 Que passou de tempo; avelhantado, velho.”, etc. –, e acabo com a impressão de que esse mês deveria ser mais frio do que é. Lembro também do Resnais, das letras do Opeth e dos Smiths, com uma sensação de que certos medos privados em lugares públicos só têm lógica nessa data. O que não tem nada a ver nem comigo nem com nenhum dos artistas em questão. Mero exercício mental que não leva a lugar nenhum.

De qualquer forma, o passado acaba aparecendo, com trinta dias e várias noites a mais, e as questões ficam flutuando sem motivo, ainda que sejam bem interessantes de serem analisadas. Abro logo o livro de Borges, aleatoriamente, que me cai no seguinte parágrafo:

“’O número de todos os átomos que compõem o mundo é, embora desmedido, finito, e só capaz, como tal, de um numero finito (embora também desmedido) de permutações. Num tempo infinito, o número das permutações possíveis deve ser alcançado, e o universo tem de se repetir. Novamente nascerás de um ventre, novamente crescerá teu esqueleto, novamente chegará esta mesma página às tuas mãos iguais, novamente percorrerás todas as horas até a de tua morte inacreditável. ’ Está e a ordem habitual desse argumento, do prelúdio insípido ao enorme desenlace ameaçador. É comum atribuí-lo a Nietzsche”.

Pois é, a doutrina dos ciclos, do eterno retorno. Apesar dela, não acredito que esta época do ano, com o passado e suas questões, tenha a ver necessariamente com tal lógica. Penso num labirinto gigante. Você anda, anda, anda, e, vez ou outra, acaba passando pelo mesmo caminho. Algumas vezes nota, outras não. Novembro tem cara desses momentos em que se conclui estar visitando o antigo, sem certeza disso (afinal de contas, a única garantia dentro de um labirinto é saber se está lá ou se saiu). A solução é parar e pensar um pouco.

- Teseu, é você?


terça-feira, 12 de agosto de 2008

Idioglossia

Entro no quarto, acendo a luz. O olhar do pequeno urso de pelúcia me atinge e noto, enquanto caminho tremendo ao seu encontro, que não há vazio algum naquele globo de plástico. Através do vivo reflexo presente dentro do castanho-claro feito por mãos chinesas, percebo que ele fita uma criança. Toco suas mãos felpudas. Sinto o passado; tateio a presença de vários brinquedos, que, juntos, salvaram o espaço, venceram o senhor do gelo, o cavaleiro negro e incontáveis outros desafios criados em um final de semana qualquer. Dias desenhados, hoje perdidos nos labirintos em forma de fantasmagoria que habitam as quinas e ângulos dos recantos da casa. Toco o seu olho, seus olhos, seu fofo corpo, suas orelhas brancas, seu grande rosto e peço perdão por não ser mais quem eu era.